Geração boomerang
Obrigatório adiar vida adulta
Os jovens que, nos
últimos anos, começaram a integrar as fileiras do mercado laboral têm
sido descritos, sociologicamente, como uma geração “tardia” em termos de
compromissos e lenta a assumir as responsabilidades inerentes à idade
adulta. Não querem sair da casa dos pais, não querem casar, nem ter
filhos. Mas será mesmo uma opção? Nos dois últimos anos em particular,
não são os jovens que estão a escolher as suas vidas. Estas são, ao
contrário, ditadas pelas circunstâncias económicas. E as repercussões,
sociais e psicológicas, podem ser esmagadorasPOR HELENA OLIVEIRA
Muito
se tem escrito sobre a denominada, em inglês, geração “Millenial”, ou
aqueles que nasceram sensivelmente entre 1980 e 1995 e que engrossam, ou
deveriam, as fileiras do mercado de trabalho na actualidade.
Considerada a mais bem preparada geração de sempre e que, pela primeira
vez, enquanto “filhos” ultrapassaram os pais em termos de conhecimento,
os protagonistas desta geração tinham, há alguns anos, um risonho futuro
pela frente. Com níveis académicos elevados, inovadores e sem aversão
ao risco, já tinham recusado a noção do “emprego para a vida”, sendo
apaixonados por novos desafios, apresentando uma visão mais global do
papel que podem ter na sociedade, preocupando-se com questões cívicas e
de responsabilidade social e aspirando a possuir uma carreira o mais
internacional possível.
O que não estavam à espera era que não tivessem acesso a emprego na
fase da vida em que ele, tradicionalmente, deveria surgir. Por outro
lado, uma boa parte desta geração tem vindo a ser, nos últimos anos,
objecto de estudo por parte de psicólogos e sociólogos e acusada, por
muitos, de “atrasarem” a idade adulta, pois saem, cada vez mais tarde,
da casa dos pais, casam e têm filhos (ou não) também tardiamente ou, em
termos gerais, adiam a sua independência o mais possível.
Ora, a resposta pode estar, em parte, não num misterioso fenómeno de
prolongamento da ideia de serem “meninos dos papás”, mas sim no impacto
que a Grande Recessão está a ter nas perspectivas destes jovens. E já há
vários estudos que apontam para que seja esta a grande causadora do
adiamento da independência financeira desta geração, mas também das
alterações das nossas próprias atitudes relativamente ao que significa,
no século XXI, chegar à idade adulta. O VER foi pesquisar e alguns dos
resultados são surpreendentes.
A recessão e a geração boomerang De
acordo com a revista The Atlantic, as circunstâncias que rodeiam esta
geração em particular são, no mínimo, estranhas. Muitos dos seus
representantes cresceram ao longo da maior expansão económica do século
XX e terminaram os seus graus académicos na pior recessão desde os anos
de 1930. Se a revista em causa se refere, em particular, aos Estados
Unidos, a verdade é que o panorama, com as devidas diferenças, não é
assim tão distinto do que se passa em Portugal. Se os números do
desemprego não param de aumentar, como sabemos, são os jovens, e uma
grande fatia de licenciados, que mais em força estão a sentir o fenómeno
do desemprego e da ausência de expectativas, apesar de o mesmo ser
persistente e durar há mais tempo que a presente crise económica e
financeira.
Mas, como escreve a revista americana, a contracção abrupta do “tempo
das oportunidades” deixou uma marca profunda nestes jovens a qual, ao
contrário da crise económica que, de acordo com os mais optimistas, terá
de ter um fim, poderá vir a ter efeitos controversos nos próximos 15
anos.
De acordo com dados revelados, o desemprego dos jovens entre os 18 e
os 24 anos, nos Estados Unidos, era de 16% em 2011, quase o dobro da
média nacional. Em Portugal e como sabemos, o panorama é ainda muito
mais preocupante: segundo dados do INE e no primeiro trimestre de 2012,
eram 154,4 mil os jovens desempregados ou cerca de 36,6%, com tendência a
agravar-se e sendo esta taxa uma das mais elevadas da União Europeia.
Também de acordo com um recente relatório publicado pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o número de jovens sem emprego irá
atingir, ainda este ano, os 75 milhões. Face a 2007, o valor apresenta
um acréscimo na ordem dos quatro milhões. Estamos, portanto, perante um
fenómeno global e, independentemente das particularidades dos diversos
países, a forma como o desemprego afecta a entrada na vida adulta dos
jovens tem vários pontos em comum e repercussões igualmente similares.
Para todos os jovens que cresceram sob os auspícios do “bem do canudo”,
sem esquecer os esforços que muitos pais fizeram para que tal fosse uma
realidade, todas as oportunidades que a educação prometia parecem agora
perder grande parte do seu sentido. Ou seja, mais e melhor escolaridade é
sempre uma benefício mas, tal como o emprego para a vida morreu
enquanto garantia, o emprego pós licenciatura ou mestrado está
igualmente moribundo.
E, sem emprego, as etapas ou rituais de passagem que assinalam a
entrada na vida adulta são, consequentemente, adiados: os habituais
cinco marcos que são enumerados para tal – completar os estudos, sair de
casa dos pais, obter independência financeira, casar e ter filhos – são
colocados, por muitos, na gaveta, à espera de dias melhores.
Se, até há relativamente pouco tempo, este adiamento era considerado
como uma escolha por parte dos jovens, mesmo que incompreensível para
muitos, hoje em dia o verbo “escolher” deixa de ter peso e é substituído
por um simples “não é possível”.
Um estudo realizado pelo Pew Research Center em Dezembro último, em
conjunto com dados do U.S. Bureau of Labor Statistics, e feito a jovens
adultos entre os 18 e os 34 anos, dá conta de algumas tendências que
podem ser extrapoladas também para a realidade nacional:
- Os jovens adultos são os que mais fortemente foram afectados pela
recessão, comparativamente a adultos de meia-idade ou mais velhos, sendo
esta realidade comprovada por uma análise de dados económicos do
governo norte-americano. E, apesar de a taxa de desemprego nos Estados
Unidos estar a descer ligeiramente, a quota de jovens empregados (18-24
anos), que se situa nos 54%, nunca foi tão baixa desde 1948, altura em
que o governo iniciou a recolha de dados desta natureza. O mesmo
acontece com o fosso entre o emprego jovem e o dos demais adultos em
idade activa, que atingiu número recorde na história do país – 15 pontos
percentuais – a somar à queda nos salários no grupo dos mais jovens.
- Os difíceis tempos económicos estão igualmente a alterar não só o
quotidiano dos jovens, mas os seus planos de longo prazo. Apesar de as
tendências negativas no mercado laboral estarem a ser mais fortemente
sentidas pelos trabalhadores mais jovens, muitos adultos, na casa dos 20
e 30, estão também a sofrer o seu impacto. Entre todos os respondentes
entre os 18 e 34 anos, cerca de metade (49%) afirmou ter um emprego não
desejado, mas imprescindível para pagar as contas, com 24% a admitirem
que aceitaram trabalho não pago para ganhar experiência. Uma outra
tendência é revelada quando 35% dos entrevistados afirmam ter regressado
aos bancos da escola como resultado da pobreza da economia. Em termos
de vida pessoal, 31% adiaram os planos de se casarem e/ou terem filhos. E
24% confessaram a necessidade de voltarem para casa dos pais, depois de
já terem tido a sua própria casa, sendo que, entre os que têm entre 25 e
29 anos, a percentagem aumenta para os 34% - um dos motivos por que
esta geração está a ser apelidada de “boomerang”.
Um outro dado importante revelado por esta sondagem afirma, então,
que a vida adulta começa mesmo mais tarde do que outrora. De acordo com
uma sondagem realizada pela revista Newsweek, em 1993, 80% dos pais
entrevistados, com filhos pequenos, afirmavam que estes atingiriam a
independência financeira aos 22 anos, com apenas 67% dos pais de hoje a
manter essa visão.
Ou, em suma, a nova realidade económica está também a alterar a forma
como pensamos na idade adulta, pois o caminho da independência
financeira, que a define, está cada vez mais longo e com mais
obstáculos. E, como também refere a The Atlantic, se muitos destes
jovens, pertencentes à geração boomerang, deixam a casa dos pais apenas
para a ela regressarem passado algum tempo, estão ainda estudar, muitos
outros existem que têm um emprego que não lhes dá remuneração suficiente
para suportarem uma vida independente, dadas as dívidas acumuladas
essencialmente com os custos dos seus estudos. Em Portugal, e como
sabemos, o número de estudantes colocado no Ensino Superior este ano foi
o mais baixo desde 2006, o mesmo acontecendo com o número de
candidaturas. Também os valores das propinas em atraso nas universidades
portuguesas ascendem aos milhões e o incumprimento dos créditos ao
ensino por parte dos bancos está também a crescer.
Em 2010, o The New York Times dedicou um extenso trabalho ao fenómeno
da geração que teimava em não crescer (não contemplando a recessão).
Com a opinião de psicólogos, foram muitas as teorias expostas e o
retrato elaborado dos jovens com mais de 20 anos evidenciava as
seguintes características: um terço dos jovens na casa dos 20 anos muda
de residência todos os anos; 40% regressa a casa dos pais pelo menos uma
vez; em média, estes jovens mudam de emprego sete vezes (dos 20 aos 30
anos); dois terços vivem, pelo menos durante algum tempo, com um
parceiro sem casarem; o casamento ocorre cada vez mais tarde – nos anos
70, a média de idades para contrair matrimónio cifrava-se nos 21 para as
mulheres e nos 23 para os homens, mas segundo dados de 2009, a média
era de 26 e 28 anos respectivamente; os jovens não gostam de
compromissos, frequentam o ensino até mais tarde por ausência de
melhores opções, viajam, competem furiosamente por bolsas de estudo ou
por estágios não pagos, tudo isto para adiarem ao máximo as
responsabilidades da vida adulta. E, de regresso aos cinco marcos já
anteriormente citados - completar os estudos, sair de casa dos pais,
obter independência financeira, casar e ter filhos – o mesmo artigo
também fez as contas comparativas: em 1960, 77% das mulheres e 65% dos
homens tinham, com 30 anos, passado por todas estas cinco fases; em
2000, e de acordo com os censos norte-americanos, menos de metade das
mulheres e apenas um terço dos homens, na mesma idade, haviam “cumprido”
estes rituais de passagem. Um estudo canadiano evidenciou igualmente
que os jovens que completavam 30 anos em 2001 tinham concluído as mesmas
fases que os jovens de 25 anos nos anos 70.
O artigo do New York Times concluía, entre variadíssimos outros
aspectos, que estávamos perante um anacronismo no que respeita às
denominadas fases para se entrar na idade adulta e que não existia – nem
assim seria suposto – homogeneidade nas escolhas desta faixa etária. Ou
seja, cada um percorria o seu caminho, a um ritmo individual, incluindo
os que se mantinham solteiros ou sem filhos por opção, os que passavam
pelas fases desordenadamente, optando pela carreira antes de um
compromisso monogâmico, adiando a chegada dos filhos, deixando a escola
para ir trabalhar ou voltando à mesma depois de já terem atingido a
estabilidade económica.
Todavia e dois anos depois, é o artigo em causa que parece ter ficado
já desfasado ou mesmo anacrónico. Afinal, o fenómeno do adiamento da
“vida adulta” pode mesmo ter a economia como principal causa.
Efeitos psicológicos e sociais podem ser devastadores O think tank britânico
feito por e dedicado a esta geração em particular publicou,
recentemente, um estudo que considera a crise financeira e a recessão
como as principais responsáveis pelos jovens não assumirem as
responsabilidades inerentes à vida adulta, acrescentando ainda que
também as questões cívicas e de responsabilidade social – eleitas por
muitos destes jovens como algo inerente às suas vidas – estão a sofrer
com o seu impacto. Todavia, é nos aspectos psicossociais que mais se
foca este estudo, afirmando que estes podem constituir barreiras muito
mais difíceis de transpor do que as agruras económicas. Como ponto de
interesse particular do mesmo, de realçar a alteração de expectativas da
geração em causa, nomeadamente nos últimos dois anos – com o agudizar
da crise – e também a visão, agora menos desfocada, que os demais
possuíam em relação a estes jovens.
Se tomarmos em consideração que uma boa parte desta geração foi
criada num ambiente educacional e parental que, embora por vezes
fragmentado e possivelmente insatisfatório, primava pelo alcançar de
novas oportunidades, de uma boa auto-estima e do envolvimento com as
questões globais, os últimos dois anos representaram uma valente
machadada nas suas perspectivas, salienta o estudo. De “miúdos-troféu” à
“geração eu”, a viver num ambiente no qual acreditavam ter um lugar,
uma função e muito para oferecer, os jovens estão, mais do que nunca, a
verem-se no papel de desempregados ou, pior ainda, e como afirma o think tank
em causa, como “nunca-empregados”. E o acrónimo NEET – Not in
Education, Employment or Training (nem a estudar, nem a trabalhar, nem
em formação) já é reconhecido e utilizado não só pela imprensa, como
pelos próprios decisores políticos. Em Inglaterra, entre 15% e 25% dos
recém-licenciados não consegue arranjar emprego, e os NEETs ascendem já a
um milhão e pela primeira vez na história. O estudo refere ainda que os
estágios não pagos – agora apenas suportados pelas elites – estão
também em crescimento, com estes jovens adultos a “comprarem” o
privilégio de trabalhar em algum sítio interessante.
Para os autores do estudo, existem dois potenciais problemas
decorrentes desta situação: o primeiro emerge do desapontamento que uma
geração em crescimento pode ter relativamente ao contrato “quebrado” com
a sociedade e a outra na manifestação dos efeitos psicológicos da
recessão.
Se os jovens da actualidade partilham algumas das ambições e
expectativas de emprego comparativamente às gerações que os precederam –
uma remuneração decente ou o avanço na carreira, por exemplo – também
procuram uma melhor conciliação entre família e trabalho, maior
acompanhamento por parte de mentores, mais trabalho em equipa, um
argumento ético e social nas funções que desempenham, bem como nas
empresas em que os acolhem, a par de níveis elevados de envolvimento e
mais responsabilidade. E, se já antes da crise económica eclodir, não
era fácil ao mercado laboral responder a estes novos desejos, agora os
jovens não têm sequer que se preocupar com as condições oferecidas pelo
seu local de trabalho pois, simplesmente, este não existe. As empresas
não estão a contratar e outras há que estão a despedir.
E, para os autores do estudo, apesar de o efeito da recessão não ser,
de forma intencional, uma rejeição dos trabalhadores mais jovens, é
desta forma que estes o estão a percepcionar. O desespero que está a ser
sentido tem algumas raízes nas realidades económicas, mas pode dar
origem a uma “doença” mais grave e de longo prazo cujos efeitos poderão
vir a ser sentidos nos locais de trabalho ao longo dos próximos anos. Os
jovens com bons currículos académicos acreditam que o contrato com os
empregadores e com a sociedade foi quebrado mesmo antes de ter sido
iniciado. E, como sublinha o estudo, a esperança adiada pode fazer “mal
ao coração” e causar descomprometimento, ostracismo e até depressão.
Em segundo lugar, os autores defendem que os resultados económicos da
recessão podem ser de prazo muito mais curto do que os efeitos
psicológicos associados. Os casais, preocupados com a estabilidade dos
seus empregos, terão muito menos hipóteses de embarcarem no desejo de
constituir família, o que terá um impacto significativo nas taxas de
natalidade (o que em Portugal está a acontecer já há muito tempo). E o
stress e ansiedade poderão conduzir a um aumento expressivo dos casos de
depressão graves e ao colapso dos níveis de optimismo.
E, apesar de se poder imaginar os potenciais problemas que daqui
resultarão, para a sociedade enquanto um todo, as verdadeiras
repercussões são, para já, desconhecidas.
(by http://www.ver.pt/conteudos/verArtigo.aspx?id=1504&a=Actualidade) |
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